A cidade de Nova Iorque tem agora três edifícios de Steven Holl: o Higgins Hall Insertion no Pratt Institute no Brooklyn (2005), o Campbell Sports Center da Columbia University em Upper Manhattan (2013) e a Hunters Point Community Library em Long Island City, Queens, inaugurado em setembro do ano passado. O evento coincidiu com a publicação do novo livro de Holl, Compression, que leva uma imagem abstrata da Biblioteca em sua capa. Este é o quinto volume da produção teórica do arquiteto, um trabalho há 30 anos em andamento, publicado pela Princeton Architectural Press. O novo edifício, do tamanho do letreiro vermelho de néon da Pepsi instalado nas proximidades, é um robusto paralelogramo de concreto, marcado por aberturas de vidro que percorrem a fachada cortando vários pavimentos. Construído em frente a um passeio público a poucos metros do East River, de frente para o complexo das Nações Unidas, o edifício se encontra em um privilegiado lugar de destaque. O novo prédio é um ponto de referência, visível da orla leste de Manhattan e das balsas e, embora tenha levado nove anos para ser concluído, sua simples existência é um sinal positivo do compromisso de Nova Iorque com projetos públicos.
O novo edifício de Holl é um trabalho silencioso. Não há balanços estruturais heróicos, formas esféricas, cores, tampouco uma piscina refletora ou revestimentos metálicos. Não obstante, o edifício singelamente se garante. É uma estrutura marcante que só pode ser entendida quando exploramos seu interior cavernoso, com diferentes níveis interconectados e prateleiras que se desdobram em espaços de trabalho e vistas deslumbrantes para Manhattan. Antecipando a abertura da biblioteca, encontrei-me com Holl em seu escritório em Nova Iorque para uma conversa sobre as aspirações e intenções do arquiteto. Uma pequena parte desta entrevista foi transcrita abaixo exclusivamente para os leitores do ArchDaily.
Vladimir Belogolovsky: Você disse uma vez que os edifícios demandam uma quantidade enorme de tempo e energia e que é importante refletir sobre a própria prática. Poderia falar sobre as principais intenções do seu trabalho e como você explicaria o que faz a um leigo?
Steven Holl: Antes de mais nada, sou um idealista! Quais são os principais pontos do meu idealismo? Número um: acredito que o desenho é uma forma de pensamento. Número dois: o projeto é impulsionado por um conceito limitado - uso esta palavra porque eu não o usaria em nenhum outro dos meus projetos. É disso que trata meu primeiro livro, Anchoring. Cada projeto é diferente porque possui um local, circunstâncias, clima, e cultura diferentes. E é diferente porque o conceito que impulsiona o projeto é sempre diferente (conhecemos muitos arquitetos que transportam suas ideias de um lugar para outro). Número três: a luz natural é um material essencial para a modelagem do espaço. É uma força psicológica essencial na arquitetura. Número quatro: o domínio háptico de materiais e detalhes como um objetivo fenomenológico. A maneira como os espaços são feitos e do quê são feitos; trata-se de como experimentamos a arquitetura. Número cinco: inovação ecológica - da escala urbana à casa. Por exemplo, nosso complexo Linked Hybrid em Pequim tem a maior instalação de poços geotérmicos da história da China, que aquece e esfria esse enorme projeto. Número seis: a estrutura representa um quarto do custo total do edifício. Portanto, deve ser parte integrante das ideias de projeto. Por exemplo, no caso da Biblioteca do Queens, a estrutura é a forma. Quando você olha para o edifício, está olhando para a estrutura - o exoesqueleto de concreto. E o último ponto diz respeito à arte, o elo expressivo e a interpretação da pintura, escultura, música e poesia - todos conectados.
VB: Seus projetos começam com imagens e palavras que você expressa em suas aquarelas. Essas metáforas e conceitos acionam seus projetos. Aqui está a lista de alguns deles: ancoragem, interseção, intertravamento, entrelaçamento, híbrido, dobradiça, suspensão, mini utopia, porosidade, loop de luz, uma coisa dentro de uma coisa, partitura, sete frascos de luz em uma caixa de pedra, pintura de guitarra de Picasso, e assim por diante. Você nunca repete essas ideias. O que me interessa é de onde vêm essas ideias e quem o inspirou nessa metodologia?
SH: Trabalhei por muitos anos como professor universitário desenvolvendo minhas próprias estratégias que usaria como arquiteto em meu escritório. Sou muito apaixonado pelos meus projetos e pelo que faço. Antes de ser arquiteto, era surfista e tinha o carro mais rápido de Bremerton, Washington, um Chevy 1957 com motor V8 e transmissão manual de 3 velocidades. E eu pude vencer um Mustang novinho em folha que acabara de sair da loja, e venci em uma corrida de rua! Não importa o que eu faça, me apaixono por aquilo e levo minha paixão ao máximo que posso. Então, em 1966, decidi estudar arquitetura. Eu tinha inclinação para construir coisas - construía no meu quintal, com meu pai e irmão, desde pequeno. Depois fui para a Universidade de Washington, em Seattle, onde estudei filosofia e o trabalho de muitos grandes arquitetos. Meu professor de História da Arquitetura, Hermann G. Pundt, me disse: "Deveria haver mais em um edifício do que aquilo que você vê quando olha para ele". Basta pensar nisso - quantos edifícios são verdadeiros hoje? Sempre penso nessa frase quando trabalho em meus edifícios.
Levou anos para eu conquistar minha posição. Como professor, acredito que as ideias são as coisas mais importantes da arquitetura, não os edifícios construídos. Meu primeiro livro foi Anchoring e tinha a Biblioteca de Berlim na capa, meu projeto mais importante que nunca foi construído. Depois veio o livro Intertwining, que tinha o diagrama do Cranbrook Institute of Science na capa; esse projeto foi construído. Então veio House: Black Swan Theory, um livro sobre casas, seguido por Urbanisms: Working with Doubt, com o Horizontal Skyscraper de Shenzhen na capa. Este livro é sobre meus projetos urbanos e fala sobre ideias como densificação e erradicação da expansão suburbana. E o último livro, Compression, com a Queens Library na capa, acabou de sair, fecha o ciclo de cinco volumes e apresenta o trabalho dos últimos doze anos. Portanto, esses cinco pequenos livros, todos da Princeton Architectural Press, constituem os últimos 30 anos da minha obra. Se me pedissem para reunir meus projetos mais bem sucedidos, muitos deles seriam aqueles que nunca foram construídos - como a Biblioteca de Berlim de 1988. Outro projeto seria o Palazzo Del Cinema em Veneza, de 1990. É tudo uma questão de ideias. Os trabalhos construídos dão mais credibilidade às ideias; com eles, fica claro que ideias únicas, que alguns considerariam extremas, podem ser realizadas e enriquecer o mundo.
VB: Você disse que quando trabalha para criar algo, tenta trazer todo tipo de força subjetiva. Poderia falar sobre o papel da subjetividade em seu trabalho? Estou interessado nisso, porque agora muitos jovens arquitetos se vangloriam por serem colaborativos, objetivos, responsivos, específicos, pragmáticos, circunstanciais ...
SH: Eu acho que isso é um erro. Você sabe, Steve Wozniak, co-fundador da Apple, teve que trabalhar individualmente. Há um livro chamado Quiet, de Susan Cain, sobre introversão. A razão pela qual você precisa de silêncio e reflexão durante o tempo criativo, e não um monte de vozes, é que a criatividade tem tudo a ver com intuição. James Watson e Francis Crick descobriram a estrutura de dupla hélice do DNA depois de um deles sonhar com uma cobra engolindo sua própria cauda. Isso não veio de uma abordagem pragmática. Foi um momento inspirador, um sonho. Obviamente, arquitetura é colaboração, mas para ter uma verdadeira ideia criativa, você precisa de uma conexão profunda com a intuição que funde subjetividade e pragmatismo.
VB: Você costuma falar sobre a necessidade de abstração. Por que?
SH: Em seu livro de 2016 intitulado Reductionism in Art and Brain Science, Eric Kandel, professor da Universidade de Columbia, um neurocientista vencedor do Prêmio Nobel, argumenta que o cérebro precisa de abstração. Os mecanismos internos com os quais vemos e experienciamos fenômenos visuais e físicos dependem de uma abordagem de baixo para cima, ou seja, a partir de elementos de abstração, chegando a uma espécie de acordo com aquilo que analisamos para, enfim, compreendê-lo. A abordagem oposta, de cima para baixo, de determinada figura sufoca nossa imaginação. Uma forma de cúpula é um exemplo de pensamento de cima para baixo. Em outras palavras, já sabemos o que é. Temos várias referências ao que é uma cúpula. Não é abstrato o suficiente, pois o significado da coisa é um dado e, portanto, nossa mente não está trabalhando para descobri-la.
VB: Em seus edifícios abstratos, você evita a familiaridade com algo que já sabemos, certo? Você quer que a gente descubra isso com base em elementos desconhecidos, é isso?
SH: Eu acho que luz, espaço, material, cor, detalhes, são elementos em si. E o poder da abstração é que podemos fazer as coisas de formas novas. Podemos criar novos significados, novas entidades. Não precisamos de referências.
VB: O novo é ótimo, mas você não acha que chegou um momento na arquitetura, e isso foi muito recentemente, eu diria em 2012, em que os arquitetos se cansaram de fazer coisas novas o tempo todo. A arquitetura tornou-se saturada com novas ideias e formas, e muitos começaram a fazer a pergunta: e daí se houver outra forma?
SH: Não se o edifício for mais do que aquilo que se vê. Talvez a partir de 2012 as imagens disponíveis on-line nos tenham pressionado tanto que muitos de nós não conseguiram mais ver além delas. Mas precisamos relacionar imagens ao conteúdo. Estou interessado na arquitetura que fala com a alma.
VB: Fala com a alma através da sua própria maneira de inventar o espaço, da sua própria maneira de chegar à alma. Aprecio e acho que é isso que a arquitetura deveria estar fazendo. Mas estou me referindo à Bienal de Veneza de 2012, de David Chipperfield, cujo tema era Common Ground, após a qual os arquitetos começaram a procurar seu terreno comum e descobrir que, inevitavelmente, precisavam começar a se alinhar. Isso levou a uma espécie de convergência de ideias e, em 2016, acredito, o terreno comum foi encontrado, infelizmente.
SH: Arquitetura corporativa?
VB: Com certeza, isso faz parte. Mas mais precisamente, falo da resolução de problemas, pragmatismo, a ênfase em aspectos sociais e ecológicos. Mas também, cada vez mais, distanciando-se de qualquer coisa pessoal, artística e movida por um único autor.
SH: Pragmatismo é apenas construção civil, produção. Arquitetura é arte. O que você está descrevendo é uma história triste. Acredito que a arquitetura pode mudar a maneira como vivemos. Pode mudar uma pessoa. Pode mudar o mundo.